quarta-feira, 29 de abril de 2015

Perdão, Mandela, e Rousseau.

Quando se fala em perdão, para mim é difícil não lembrar de uma determinada cena do filme 'Mandela -longo caminho para a liberdade", onde em um dado momento as crianças negras estavam fazendo gestos zombando dos policiais brancos, e Madiba intervem, apresentado-as aos guardas, mostrando que são todos iguais, humanos, independente de tudo que aconteceu. E ensinando uma importante lição: Não é porque nos humilharam, caçoaram, feriram, que temos que fazer o mesmo, porque senão, seremos tão maus quanto eles. Mas também, não podemos esquecer de todos anos em que se manteve o Apartheid na África, pra levar isso como um aprendizado e não como um martírio. 

Fazendo uma breve comparação, é o que acontece em nossos relacionamentos (familiar, amoroso, ou profissional). Às vezes somos traídos, explorados, ignorados ou passados para trás por algum semelhante, que se julga superior naquele momento por obter a sua confiança ou cumplicidade. Criamos uma relação afetiva e em algum instante ela se torna tão natural que acabamos afrouxando as rédeas e deixando o caminho livre para erros, ou permitindo um pouco mais. O simples fato de relacionar te coloca numa situação em que estabelece uma ligação entre pessoas, garantindo seu ingresso em uma cena na qual você poderá ser o vilão ou o mocinho. E em algum momento tomaremos uma dessas posições. O simples fato de nascer nos empurra esse papel. Não queremos admitir, mas em algum momento falharemos, decepcionaremos alguém, erraremos, e isso é do ser humano. 

Sou fiel à filosofia rousseauniana, e apoiado nela poderia dizer que o homem é naturalmente bom, e acaba se corrompendo pela sociedade. Ainda me referindo a Rousseau, no Estado de Natureza o indivíduo faz o que deseja, mas quando sai desse estado e entra na sociedade civil, há a necessidade e obrigação de se submeter a vontade geral, ou seja , a vontade popular. Sociedade que no caso de uma relação pode ser formado entre duas pessoas ou organizações. E essa vontade geral se reflete no que estaria de comum acordo entre essas partes. Logo, se os dois não querem ser traídos, magoados, desapontados, então fica acordado que essa prática é a melhor para o bem comum. Porém, quando se trata de ser humano, não há regras, instituições ou costumes que se sobrepõem às vontades individuais. 
Para Rousseau, o que faz o indivíduo em estado de natureza parecer bom é, justamente, o fato de conseguir satisfazer suas necessidades sem estabelecer conflitos com outros indivíduos, sem escravizar e não sentindo vontade de impor a sua força a outros para sobreviver e ser feliz. Porém, quando isso não é feito, temos uma visão que aquela pessoa ou organização é ruim. É aquela história, você pode ser bom o quanto for, se esforçar, fazer 100% do que podia fazer, mas se em determinado momento falhar e/ou errar, todo esse esforço foi em vão. Eventos ou atitudes ruins são mais difíceis de serem esquecidos. Se, por exemplo, uma pessoa tem hipermnésia estará propensa a sofrer demasiadamente com uma traição. Isso pois memorizam um monte de coisa inútil e desnecessária (gerando um certo caos mental) e têm uma capacidade reduzida em esquecer eventos ruins. 

Esquecer é tão importante, quanto lembrar. É ai que entra o perdão. Nosso cérebro coloca ordem na casa, esquecendo coisas irrelevante e eventos dolorosos emocionalmente. Com isso superamos nossas frustrações, nossas transições, nossas perdas, nossos erros e mais um monte de coisas que nos afetam. Perdoar então envolve "esquecer", e sua capacidade mental está plenamente ligada a isso. Tudo se trata de uma reorganização mental, e esse é um esforço a longo prazo que vale a pena. Se eu pudesse dar um conselho a uma pessoa que está odiando algo ou alguém seria: Fique tranquilo, com o tempo o cérebro naturalmente "esquece" por que você odeia aquela pessoa ou organização e as coisas boas que ocorreram numa relação passam a fazer parte de uma coisa só. Aprender a observar os fatos como um todo é atitude de gente sábia e isso envolve amadurecimento emocional e intelectual. 

Contudo, não podemos esquecer que tudo na vida é aprendizado e perdoar não é dar uma segunda chance, não é deixar pra lá, se aceitar como vítima, ou muito menos se vingar. Perdoar é crescer, amadurecer e perceber que certas atitudes não devem ou nunca deveriam ser tomadas, a ponto de não querer o mesmo para mais ninguém. Veja de forma positiva, a vida às vezes nos dá uma chance de aprender com o erro dos outros aquilo que não queremos para nós. O perdão é simplesmente tirar a culpa de alguém e parar de remoer aquilo dentro de você. Não é que não existem os culpados, todavia fica uma pergunta: Achar um culpado pra algo que não deu certo, que não vale mais a pena, vai fazer alguma diferença? 

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